Contexto
Capital de Roraima, Boa Vista é a maior cidade do estado com uma população de pouco mais de 400.000 habitantes. Trata-se da capital mais ao norte do Brasil e a única localizada acima da Linha do Equador, com incidência solar muito alta ao longo de todo o ano. Boa Vista é geograficamente remota – tem 1.000 km de distância da capital de seu estado vizinho – o que tem implicações diretas no fornecimento de energia. Roraima não está atualmente conectado à rede nacional brasileira devido às complexidades, despesas e impactos ambientais que envolvem a construção das linhas de transmissão necessárias por centenas de quilômetros na floresta amazônica. Em vez disso, o estado recebia sua eletricidade da vizinha Venezuela desde 2001. No entanto, a dependência da eletricidade venezuelana provou ser um passivo no início de 2019 quando o país decidiu cortar sua distribuição para Roraima. O estado voltou-se inicialmente para geradores movidos por combustíveis fósseis, que eram 72% mais caros e mais poluentes do que a energia gerada e distribuído pela Venezuela, cuja fonte era principalmente hidrelétrica. As quatro usinas de combustíveis fósseis passaram a consumir de 700.000 a 1,1 milhão de litros de diesel todos os dias para garantir o fornecimento constante de energia elétrica para 600.000 consumidores em Roraima.
Inclusão desde o início
Diante desse contexto, a prefeita Teresa Surita – única mulher a vencer as eleições em uma capital brasileira em 2016 – passou a ver a energia solar como uma solução tecnológica fundamental para a segurança energética e a redução das emissões de gases de efeito estufa em Boa Vista. Desde 2017, no
início de seu mandato, Teresa iniciou um amplo programa de energia solar na cidade, focando inicialmente na comunidade indígena Darora, composta por 50 famílias, na zona rural do município. A pequena usina de 30Kw instalada na comunidade fornece energia suficiente para suprir a demanda de iluminação pública de toda a comunidade e a energia adicional fica armazenada em baterias para ser utilizada em uma escola municipal naquele mesmo território.
A comunidade, que costumava ter iluminação pública intermitente à noite em decorrência dos geradores a diesel, agora conta com 20 postes de luz LED que proporcionam iluminação constante durante a tarde e à noite. A remoção do gerador a diesel também reduziu a poluição sonora e do ar. A área já foi integrada à rede da cidade e as baterias foram recolhidas pela concessionária de energia para serem usadas em outro lugar.
Geração distribuída em edifícios e instalações municipais
A segunda fase foi a instalação de painéis solares em vários edifícios municipais, incluindo o Teatro Municipal da Boa Vista, o principal terminal rodoviário, o mercado, Prefeitura, Secretaria do Meio Ambiente e 72 pontos de ônibus com condicionamento totalmente alimentado por painéis solares. Os seis primeiros projetos totalizando 1,7MW de energia foram autofinanciados pelo município, implementados pela Secretaria de Serviços Públicos e Meio Ambiente e representaram um investimento de 4,9 milhões de reais (aproximadamente USD 920.000), com tempo de retorno esperado de 5 anos. Os projetos da primeira fase já proporcionam economia mensal de R$115 mil para o município (aproximadamente USD 22.000), e economizar 1,7 milhão de toneladas de dióxido de carbono emissões por ano que, de outra forma, seriam emitidas pela queima de diesel. O último projeto, ainda em construção, será a maior usina até agora com 5MW de capacidade instalada em terrenos municipais na periferia de Boa Vista. Esta planta, uma vez operacional, reduzirá 5,8 milhões de toneladas de emissões de CO2 por ano e economizará até R$ 5 milhões por ano para o município. A usina vai gerar 6.936.828kWh anuais, o que representa 93% da demanda energética total do governo municipal. Com esta usina e as fases anteriores, o município será a primeira capital do Brasil a ter todas as operações municipais totalmente abastecidas por energia limpa. A planta foi financiada com um empréstimo da Caixa Econômica Federal, um banco federal, com retorno esperado de 7 anos, após o qual espera-se uma economia de aproximadamente R$ 81 milhões em seus 25 anos de operação, considerando os custos atuais de energia.
Conclusões
Boa Vista tornou-se uma potência solar no Brasil nos últimos anos por meio de uma combinação de fatores. A localização geográfica da cidade representa tanto um desafio quanto uma oportunidade: por um lado, seu afastamento de outros centros populacionais e da rede nacional representam um passivo
para a segurança energética da região. Por outro lado, a proximidade com a Linha do Equador proporciona uma oportunidade devido aos altos níveis de radiação solar. A Prefeita Teresa Surita encontrou na energia solar a oportunidade de aproveitar as vantagens da localização da cidade enquanto enfrentava simultaneamente alguns dos seus desafios mais estruturais. Ao investir em energias limpas e renováveis que geram economias substanciais para a cidade, a administração também aumentou a própria segurança
energética municipal em um cenário de volatilidade internacional. A decisão de iniciar a transição energética em uma comunidade indígena também demonstra o potencial da energia solar distribuída para promover a inclusão e melhorias na qualidade de vida das comunidades.
A sistematização dessa experiência é fruto de uma parceria entre o Instituto Alziras, C40 e a Prefeitura de Boa Vista. Publicado em 2020