Contexto
Em 26 de fevereiro de 2020, foi confirmado o primeiro caso de covid-19 no Brasil. Desde então, o país tem enfrentado desafios para gerenciar a pandemia devido à ausência de planos eficientes para conter a transmissão do coronavírus. O Governo Federal foi transferir à população a responsabilidade pelo isolamento e pelo distanciamento social com um foco simultâneo na expansão de leitos hospitalares para tratar os casos graves. Nesse sentido, não existiu uma priorização de políticas de saúde integradas e coordenadas que considerassem os papéis dos diferentes entes federativos – do nacional ao municipal. Dessa forma, os estados e municípios tiveram que lidar com a pandemia de maneira desarticulada e autônoma, sem poder contar com a coordenação de um governo central.
Boas práticas
Nesse cenário, destacamos dois casos que podem ser considerados referência na gestão da pandemia: o município de Nova Lima, em Belo Horizonte – MG, e a comunidade do Morro da Conceição, em Recife – PE. Ambos articulam estratégias de combate ao covid-19 com base na Atenção Primária à Saúde (APS), para garantir a implementação eficiente de medidas essenciais tais como o diagnóstico precoce, o rastreamento e o isolamento de casos positivos.
A Atenção Primária à Saúde (APS) é uma das principais vias de contato entre a população e o Sistema Único de Saúde (SUS) porque adota um modelo preventivo, coletivo, democrático e capilarizado de atendimento, conseguindo levar acesso à saúde para toda a população. E no contexto de crise sanitária, a APS deve garantir que os cuidados necessários de prevenção e contenção do covid-19 cheguem, principalmente, nas comunidades mais vulneráveis e periféricas do Brasil, cuja maioria é composta por pessoas negras e pobres, residentes em ambientes insalubres e irregulares, o que coloca em risco o cumprimento necessário às medidas de prevenção e higiene pessoal.
Em se tratando dos dois casos de destaque, foram priorizadas as medidas estratégicas de vigilância e prevenção – garantindo que a população seja acompanhada e monitorada, de educação em saúde – para conscientizar a todos sobre como se prevenir e como proceder em caso de apresentar sintomas e de suporte aos grupos mais vulneráveis – no qual foram identificados quais grupos seriam mais impactados pela pandemia, seja por condições precárias de habitação e saneamento, ou por apresentarem comorbidades.
O município de Nova Lima, propôs uma reestruturação do atendimento à população, suspendendo consultas de rotina e focando no atendimento de casos suspeitos do covid-19. Divulgou Notas técnicas para orientação de como proceder no atendimento aos pacientes, disponibilizou conteúdos de mídia para treinamento dos funcionários e da população quanto ao uso correto dos EPIs e determinou que os profissionais da vigilância em saúde estivessem nas ruas orientando a população e atingindo diferentes públicos.
Por sua vez, a equipe da APS do Morro da Conceição, um bairro da Cidade do Recife, mudou seu fluxo de trabalho e reorganizou o espaço físico para criar salas de triagem e salas para atender aos pacientes com sintomas ou que tiveram contato com pessoas doentes. Criou também rotinas de cuidados entre os profissionais, desde aqueles que trabalhavam na segurança e limpeza do espaço, até a equipe de saúde. Por fim, adotou uma ferramenta de telessaúde e monitoramento remoto para acompanhar os doentes, com o objetivo de se tornar um exemplo de prestação de cuidados no município.
Desafios
Os municípios encontraram desafios comuns referentes à falta de informações sobre a doença e limitações estruturais, como insuficiência de profissionais para atender a demanda gerada pela pandemia, a dificuldade no acesso aos equipamentos de proteção individual (EPIs) e a dificuldade de receber insumos para manter o atendimento seguro aos pacientes. E, além dos problemas relacionados ao enfrentamento do covid-19 durante a pandemia, os municípios encontrarão novos obstáculos no contexto pós pandemia, sendo importante ressaltar dois deles: o desafio de retomar o atendimento e consultas médicas de forma ágil para compensar a suspensão das atividades, e também o desafio de criar protocolos para lidar com a síndrome pós-covid-19, isto é, deverão se adequar para administrar uma série de outras complicações que podem surgir meses depois da confirmação do quadro agudo da infecção pelo covid-19, como problemas cardíacos, neurológicos, dermatológicos e pulmonares.
Conclusões
Em linhas gerais, mesmo que o Ministério da Saúde não tenha considerado o potencial de atuação da APS para conter a pandemia, os dois casos decidiram com agilidade como reorientar o fluxo de trabalho e de atendimento, adaptando-se à pandemia e buscando garantir a segurança envolvida. Pode-se perceber que eles adotaram medidas focadas na prevenção, educação da população e de suporte aos mais vulneráveis como essenciais para conter o avanço da transmissão e informar os cuidados necessários com aqueles que apresentam sintomas. Por fim, inúmeros desafios precisaram ser encarados para garantir a boa gestão durante a pandemia, e, no contexto pós pandemia, será necessário estabelecer novas rotinas de atendimento para diminuir o atraso e também para assegurar que os pacientes afetados pela síndrome pós covid sejam acompanhados.